O medo e a insegurança são comportamentos naturais diante de estímulos desconhecidos ou situações novas e acabam sendo reações involuntárias do indivíduo que garante, muitas vezes, a sua segurança. Mas esses mesmos sintomas, quando se manifestam constantemente e de forma drástica, podem ser os maiores desafios no lado comportamental dos cães.
Bons profissionais, que trabalham com adestramento comportamental, podem atestar que os seus casos mais desafiadores foram de cães medrosos. Esses são cães que entram num estado de pânico e podem ter reações aversivas fortes à aproximação e ao manuseio feitos da forma errada. Mas, afinal, de onde vem todo esse medo? E como trabalhar para construir cães mais confiantes?
A primeira coisa que precisamos lembrar é que cães são indivíduos e cada um deles nasce com uma personalidade e com características específicas de predisposição comportamental. Numa ninhada, podemos identificar filhotes mais confiantes, que naturalmente são mais curiosos e exploram mais, filhotes mais reservados, que exploram com mais cuidado, e filhotes mais inseguros, que ficam buscando um lugar seguro e exploram menos. Todos esses filhotes podem crescer com boa orientação e se tornar ótimos membros de famílias humanas, mas cada um sempre terá as suas características individuais.
O medo e a insegurança podem ter como gatilho uma série de situações que não necessariamente se classificam como abusos ou maus tratos. Vamos revisar aqui alguns cenários que podem desencadear esse comportamento:
1 – Um filhote que já mostra uma certa insegurança deve passar mais tempo com a mãe e os seus irmãos para aprender como lidar com a dinâmica social da sua espécie. Nessa fase, ele também tem a oportunidade de conhecer pessoas e aprender a lidar com estímulos diversos com a orientação e a referência da mãe. Se esse filhote for retirado da mãe muito cedo, ele vai demandar mais orientação e supervisão por parte dos humanos para que possa se adaptar de forma tranquila. Se não prestarmos atenção nos sinais, podemos nutrir essa insegurança e criar um cão medroso.
2- Cães que vêm para famílias com crianças, quando não têm essa interação bem orientada e supervisionada, podem não reagir bem. Crianças tendem a ser mais curiosas e acabam tendo um comportamento, às vezes, invasivo com cães, o que pode ser um gatilho para o comportamento negativo de medo ou até de reatividade.
3- Cães que vivem em áreas mais isoladas, como sítios ou fazendas, e não foram propriamente introduzidos ao mundo urbano, tendem a estranhar esse novo cenário. Esses são cães que demandam uma boa fase de treinos de adaptação para aprenderem a lidar com todos os novos estímulos, caso contrário, ficam presos ao medo e se retraem de forma drástica.
4- Cães que não saem de casa são privados também de estímulos sociais urbanos, como barulhos de carros, movimento de pessoas, etc. Muitos desses cães não necessariamente são inseguros por natureza, mas, por ter sido privados dessas experiências, não sabem como lidar com os estímulos e o medo acaba sendo a sua única reação.
5- Cães que foram negligenciados na parte de saúde ou cuidados básicos claramente são cães que apresentam medo, além de outros problemas comportamentais. Esses são cães que foram deixados à própria sorte e muitas vezes passaram por brigas ou ataques de outros cães e até violência humana.
Podemos ver que existem, além desses citados acima, uma série de gatilhos, que, se não forem percebidos, podem desencadear um comportamento de medo crônico em cães, o que dificulta muito o convívio.
Mas como trabalhar isso? O primeiro passo é entender que o medo, como qualquer outro sintoma de comportamento ruim, não deve ser nutrido pelas nossas emoções. Ter pena não vai ajudar o seu cão nessa hora, por isso esse é o momento de estabelecer uma nova rotina para começar a criar um cão mais confiante. É aqui que o adestramento entra como via de comunicação para ajudar o cão a mostrar as suas habilidades e trabalhar em parceria com você.
Quando falamos em adestramento, a ideia não é apenas ensinar comandos, mas sim adaptar o cão à rotina doméstica e social para que ele tenha esses comandos como referência constante e possa colocá-los em prática em situações diversas. Lembre-se que o medo nada mais é do que a inabilidade de lidar com situações diferentes na falta de referência, ou seja, é como estar num prédio pegando fogo sem saber onde fica a saída de emergência. O pânico tende a desaparecer quando encontramos uma solução, uma alternativa, e é isso que o adestramento vai representar para cães inseguros.
Um bom exemplo seria um cão que tem medo de ir tomar banho no pet shop. Esse é aquele cachorro que chega no local já querendo fugir, na sala de espera fica ofegante, tentando se esconder embaixo das cadeiras, subindo no colo do dono ou latindo e tremendo constantemente. Tudo isso mostra a inabilidade do cão de lidar com a situação, que se agrava mais ainda quando o humano em questão nutre esse medo falando com o cão, fazendo carinho ou perdendo a paciência. Nessa hora, se esse cão for bem condicionado e aprender os comandos “deita” e “fica”, essa se torna uma alternativa de comportamento que pode ser aplicada no mesmo cenário, criando uma associação completamente diferente.
Claro que essa mudança requer treinos diários, primeiro em ambientes mais neutros e, gradativamente, evoluindo para ambientes mais movimentados e com mais distrações. Essas etapas são feitas dentro do trabalho de adestramento comportamental, que inclui a mudança de postura dos humanos em questão para garantir que o resultado tenha sucesso. O adestramento é um trabalho que deve ser incorporado ao nosso estilo de vida, ou seja, não basta apenas querer que um cão que tem medo do banho aprenda a ficar calmo no pet shop. Esse cão deve aprender a ficar calmo em casa, no restaurante e em qualquer outro lugar. Para que isso aconteça, é preciso praticar todos os dias, em situações diferentes, recriando associações e formando novos hábitos.
O adestramento, principalmente para cães medrosos, é uma porta de comunicação que se abre para a mudança comportamental. É uma nova forma de interagir, que envolve o esclarecimento do que é certo e errado e cria um senso de propósito para os cães, como um trabalho em que ele pode ser recompensado não apenas com comida ou carinho, mas com a sensação de bem-estar, de se sentir mais calmo e tranquilo diante do que antes trazia medo e insegurança.
Se você tem um cão medroso, buscar o porquê desse comportamento pode ser uma trajetória sem definição clara, mas trabalhar com adestramento ao seu favor, com certeza, vai transformar a sua relação com o seu cão e abrir as portas para um caminho com mais confiança, segurança e bem-estar, só depende de você querer participar